Existe uma natureza humana?

Do post anterior, vem a ideia de que a personalidade jurídica decorre “desse ser ter natureza humana”. Natureza humana, então…. hum…

E qual a natureza de ser humano ou do humano?

Ou melhor, existe uma natureza humana?

Este é um dos problemas mais complexos e mais importantes (eu diria também interessantes) da Filosofia, hoje e sempre.

Ao lado desta afirmação quase «bombástica» até faria (farei) outra: não obstante a sua importância, esta pergunta (simples?) NÃO está nas agendas de discussão.

Até pelo risco. Pois discutir aberta e seriamente se há uma natureza humana pressupõe, como parece lógico, a disponibilidade (anterior) para poder vir a admitir a hipótese de que tal coisa existiria ou não.

Vivemos uma espécie de época de «pensamento único» – desculpem, se ofende, mas (em minha opinião) vivemos um tempo de petulante tirania e desprezo irónico por algum tipo de perguntas. Como esta. Aliás, imagino as respostas standard:

– do intelectual – não há nada natural, muito menos a natureza humana; aliás, o que é o homem? o que é natureza?

– do cientista – se há uma natureza das plantas? dos animais? biológica? evidente… bah…

Ai há? óptimo… e que relações estabelece com a natureza humana?

Portanto, existe uma natureza humana? Em que difere?

Fez-se, durante muitos séculos, o elogio do humano e da sua prevalência (hegemonia?) sobre o animal, assinalando-lhe “diferença específica” pela racionalidade, pela religiosidade, pela arte, pela sociabilidade.

Mas o que foi abrigo, parece ser hoje brecha de crise.

Até a religiosidade pois estamos a viver uma evidente vaga irreligiosa (embora haja sinais de reforço nas relações com o sagrado e o transcendente).

Por outro lado, cresce a vaga da defesa da racionalidade animal (pois, basta espreitarem os comentários abaixo, do post «citando… sobre a justiça») e a pulverização (poderei chamar-lhe assim?) dos tipos de inteligência humana.

A sociabilidade – pois, nem parece um ponto de debate a valorar – há animais que vivem em sociedade e têm comportamentos sociais ritualisticos (bom, é a Etologia que o diz). É como se a natureza se voltasse a galope e Peter Singer fala das «pessoas não humanas», como, por exemplo, os Primatas.

A natureza ensina coisas aos animais que não nos consegue ensinar a nós. Alguns animais têm regras estritas que é perigoso ultrapassar – por exemplo, o lobo pacifica o outro lobo oferecendo-lhe a jugular, e o vencedor não o mata. Pois, podíamos aprender com os lobos?? Qual é a diferença entre eles e nós?!!

E agora?!

Não é fácil “atribuir a cada um o que é seu” (esta é uma definição de justiça) em matéria de reconhecimento das naturezas – mas recoloco: existe uma natureza humana??!!

Autor: LN

LN é sigla de Lucília Nunes. Este blog nasceu no Sapo em 2001. Esteve no Blogspot desde 01.01.2005. Importado para Wordpress a 21.10.2007. Ligado ao FaceBook desde 13.12.2010 (e desligado em 2017).

5 opiniões sobre “Existe uma natureza humana?”

  1. A resposta passa por esquecer a nossa tendência a ver as coisas a preto e branco. Se compreendemos que somos animais e partilhamos com a restante vida na terra uma história evolutiva que começou à biliões de anos, deixa de fazer sentido criar uma barreira entre “nós” e “eles”.
    Uma das minhas bases de trabalho nestas coisas é a de que as diferenças entre… bom, Homo sapiens, e as restantes espécies são de grau e não de género. A consciência, os sentimentos e emoções, a capacidade de raciocínio, a memória, o que queiram, existe em vários estados de desenvolvimento em várias espécies. Sobretudo nos mamíferos “superiores”: primatas, claro, mas também cetáceos, carnívoros, etc.
    Bolas: existe em vários estados de desenvolvimento nos humanos!
    Onde traçamos a linha? E precisamos de traçar uma linha? E tem que ser a mesma linha para tudo?

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  2. Zé, bem (re)vindo à conversa. E que bom saber(es) que há um caminho para (a) resposta…
    🙂
    Ora, relendo-te…»Nós e Eles» é capítulo de um livro de Carl Sagan e Anne Druyan, A Sombra dos Nossos Antepassados Esquecidos. Nele se enraiza e comenta que “sem nenhum sentimentalisno complacente mas sim através de pesquisas científicas … descobrimos as profundas afinidades existentes entre nós e as outras formas de vida da Terra.”

    Nem toda a gente vê a preto e branco.
    Neste caso, seria ou uma irredutível recusa em admitir parentesco com os animais ou uma romântica e complacente antropomorfização (credo! que palavra…) dos animais. Pelo menos, no que me toca, recuso um e outro lado.

    Há coisas que são de convicção. Podem-se explicar, claro, e justificar. Mas o que se acredita não é exactamente uma balança de mercearia, cujo prato pende apenas pelo peso. Precisa de mais…

    Nesta «coisa» de pensar a «natureza humana», entram muitos factores: Existe uma crença em Deus? um fim mais elevado na vida humana? Depois, que tipo de sociedades e de culturas se desenvolvem? Faz diferença se quiser manter-se as hierarquias de dominância que exigiam (exigem…) uma submissão ao macho alfa.
    E as diferenças com os animais? são da esfera ético-política, como a capacidade de fazer promessas e a liberdade de perdoar, que a Marvi invocava? são da utilização do abstracto? das escolhas e da liberdade de um agir?
    Interessante, a tua defesa “do grau”.
    Necessariamente quantificável, portanto (pois se é grau…). Quanto? como?

    “A consciência, os sentimentos e emoções, a capacidade de raciocínio, a memória, o que queiram, existe em vários estados de desenvolvimento em várias espécies… existe em vários estados de desenvolvimento nos humanos!”
    Sem dúvida.
    (1) É notável essa capacidade de ir atingindo novos níveis de desenvolvimento (em todos os campos, incluindo o socio-moral). Esta “plasticidade” parece-me muito humana, deste «animal que aprende».
    (2) da tua afirmação, decorre mais alguma coisa?
    Que esses humanos, avaliados no devido grau, podem ser tratados como os animais, caso se lhe assemelhem?
    As incapacidades e deficiências dos seres humanos, coloquei noutro post, autorizam a pensar o humano como “não-humano”?

    Engraçado falares em linhas, em divisórias…
    A pergunta era: existe uma natureza humana? SE existe, em que difere?
    Portanto, existe e difere em grau?

    Claro que estes comentários podem ser lidos como provocatórios. Mas são apenas indagações, até porque gosto da fase das perguntas. E alongo-me para lá do razoável. Bjs e um resto de dia bom.

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  3. “Uma das minhas bases de trabalho nestas coisas é a de que as diferenças entre… bom, Homo sapiens, e as restantes espécies são de grau e não de género. A consciência, os sentimentos e emoções, a capacidade de raciocínio, a memória, o que queiram, existe em vários estados de desenvolvimento em várias espécies”

    Ah! O José concorda comigo. E também recusa o homocentrismo nos/dos conceitos. Disse-o no meu blog e agora vejo-o com outro clarividência…

    Be back for further discussion…

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  4. Para mim não existe “natureza humana”,pelo menos não no sentido de uma essência pré existente.Acredito que o homem é um tipo de”plástico”,sei lá,e toma a forma daquilo que cair em cima.A ocasião faz o ladrão,o poeta,o isso,o aquilo,em regra;

    Não sei se infelizes figuras de nossa doente sociedade,como os psicopatas,seriam um exceção ou se apenas tomaram caminhos incovenientes para o próximo de acordo com o que lhe foi dado,não sendo assim uma exceção.Mas no geral é aquilo que Sartre dizia: “Somos aquilo que fazemos do que fizeram de nós.”

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