A falácia da banalidade das coisas triviais

Na linha do horizonte, onde as serrilhas da montanha esculpem o céu, os raios de sol gotejam pela encosta. Vejo mal, pois claro (que raios de sol não gotejam!). Como em tantas vezes que perscrutei pedaços de vida à procura das coisas que neles antes não vira. Nunca se sabe se é de as procurar que se encontram, ou se encontram simplesmente porque já lá estavam. Se as procuras criam ou inventam, o que sem as essas demandas seria mero inexistente. Menos que miragem. Ou se o julgar encontrá-las é ainda assim uma simples falácia.

Quando as ideias se encaixam, como pequenas peças de um puzzle singular, bem que as procuro ver. Até entendendo vital saber delas, das quase etéreas falácias. Muitas vezes, debalde, pois que se infiltram pelos espaços intersticiais dos pensados, pelos ladrilhos dos vividos, pelos mosaicos dos sentidos. E ainda que sabendo-as confundentes invisíveis, pensar que elas podem lá estar retorna como uma procura. E pode acabar a criar o que se julga procurar.

E assim, no engano das banalidades da vida, emergem palavras e imagens, sentimentos e ideias. Revejo o que se foi mutando e o que se manteve, e percebo que a percepção das banalidades é (também) o que permite a construção do agora. De Píndaro tomo o torna-te o que és; de Nietzsche, o imperativo transforma-te no que vais sendo. E a aceitação é sempre uma acção sobre o novo, de poros abertos e alma em movimento. Por isso faz sentido dar sentido às banalidades, na vitalidade da belíssima frase nietzschiana: “aqui poderíamos viver, posto que aqui vivemos”.

Banalidades sejam – as coisas pensadas, vividas e sentidas. Trivialidades.

Pois que o banal se contamina, de mim e como eu, da finitude e da precaridade, da insignificância. Pode ser assim, porque a certeza da morte faz a vida – a minha vida, única e irrepetível, por banal que seja – algo tão mortalmente importante para mim. Com a aceitação do sentimento trágico da vida de modo pleno, de sorriso largo pois que mesmo quando existe escuridão, é possível reevocar a gargalhada da vida, a potência da força e da vontade. O trágico está presente – afirma-se pelo que foi, pelo que é, pelo que será. Sem frivolidade, possível de acompanhar com riso. O riso da alegria do instante presente. Ou não. Dependendo da banalidade singular. E da falácia que ela não viu.

 

Em horizontes, mares e marés, Directriz escreveu e eu escolhi a imagem que acompanhou o texto. Desta feita, em reverso, fui desafiada a escrever e Directriz escolheu a imagem. Nearly full moon rising.

Autor: LN

LN é sigla de Lucília Nunes. Este blog nasceu no Sapo em 2001. Esteve no Blogspot desde 01.01.2005. Importado para Wordpress a 21.10.2007. Ligado ao FaceBook desde 13.12.2010 (e desligado em 2017).

Deixe um comentário