Recomendações de viagem, Ramalho Ortigão

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“Hão-de dizer-lhes, para os desalentar do seu nobre e patriótico empreendimento, que Portugal não é terra para viagens; que são escabrosos os caminhos, escalvados os montes, poeirentas as estradas, inóspitas as estalagens. Não façam caso. Deixem em sossego, no seu veraneio de sorvetes mornos e de cerveja choca, esse opiniáticos sportmen do automobilismo, insípidos sedentários lisboetas, de articulações perras, de estômago sujo e de língua grossa, aparafusados pelas pesadas cadeiras eles mesmos às cadeiras da Avenida, às de S. Pedro de Alcântara e às dos botequins do Rossio.
Calcem os meus amigos os seus sapatos ferrados, vistam a blusa de linho, afivelem a mochila, e partam alegre e confiadamente em terceira classe, para ir à caça, para subir uma serra, para coligir cantigas ou coleópteros, para fazer um herbário ou um álbum de instantâneos, ou simplesmente para armar aos pássaros, para ouvir correr a água, ramalhar os castanheiros, cantar as toutinegras. Seja com que pretexto for, de arte, de arqueologia, de geologia, de botânica, de poesia, de simples recreio, o contacto da natureza é sempre purificador e salutar. “

Ramalho Ortigão, “Carta à Academia de Estudos Livres”, 6 de Agosto de 1899. aqui

Serpa Pinto

Serpa Pinto não era uma pessoa comum, pois as pessoas comuns não costumam atravessar a pé África (ou qualquer outro continente) acompanhados de uma cabra e de um papagaio.

Alexandre Serpa Pinto. O Sonhador da África Perdida (textos de Luís Almeida Martins e ilustrações de Filipe Abranches)

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A 20 de abril de 1846 nasceu Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto, na Quinta das Poldras, freguesia de Tendais, concelho de Cinfães, no Alto Douro. Militar e explorador, responsável pela travessia do continente africano entre Angola e Moçambique.

Viajou pela primeira vez até à África oriental em 1869 numa expedição ao rio Zambeze, integrando uma coluna de quase mercenários, como técnico, avaliando a rede hidrográfica e a topografia local. Em 1877, com 31 anos, foi nomeado para participar numa expedição científica à África Central da qual também faziam parte os oficiais da marinha Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens. Segundo o decreto foram nomeados «para comporem e dirigirem a expedição que há-de explorar, no interesse da ciência e da civilização’, os territórios compreendidos entre as províncias de Angola e Moçambique, e estudar as relações entre as bacias hidrográficas do Zaire e do Zambeze… ».

As expectativas eram grandes. A viagem foi dotada com um crédito de 30 contos de reis, uma verdadeira fortuna para a altura. Capelo e Serpa Pinto foram enviados a Londres e Paris para comprar material apropriado e contactar outros exploradores. Os barcos de borracha, os medicamentos e instrumentos como sextantes, cronómetros e teodolitos foram arrumados em 17 pesadas malas que continham a inscrição “Expedição Portuguesa ao interior d’África austral em 1877”.

No dia 6 de Agosto de 1877, o major chegava à baía de Luanda a bordo do vapor “Zaire”. No dia 12 de Novembro de 1877, os três oficiais portugueses largavam de Benguela, na costa angolana, rumo ao sertão. Chegados a Belmonte (actual Kuito), no Bié, as divergências entre Serpa Pinto e os outros dois originaram uma cisão. O major mantinha-se firme na sua vontade de atravessar o continente, de costa a costa. Capelo e Ivens preferiam ficar-se pela exploração do interior angolano.

Serpa Pinto decidiu avançar. Praticamente sozinho, com a protecção da sua carabina e acompanhado por um punhado de ajudantes, percorreu as províncias do Bié e do Cuando Cubango, acompanhou o rio Zambeze pela região do Barotse (na actual Zâmbia) e visitou as cataratas de Vitória, baptizadas por Livingstone uns anos antes. A partir daí seguiu pelo deserto do Kalahari, no que hoje é o Botswana, no carro de bois do missionário suíço François Coillard. Passou por Pretória e atravessou a província do Natal, onde então zulus e ingleses se batiam numa luta sangrenta.

Alexandre de Serpa Pinto chegou finalmente a Durban, na costa do Índico, no dia 19 de Março de 1879, quase dois anos depois de ter deixado as águas do Atlântico, perto de Benguela. A missão chegara ao fim. Estava magro e doente. “Corri sem parar, até onde pudesse ver o mar”, escreveu o major no relato do último dia da sua viagem. “E foi com lágrimas a marejar nos olhos que fiquei extáctico diante dessa mole imensa de águas azuladas que se confundiam ao longe, para este, com o azul dos céus!”  (fonte aqui)

Da travessia ficou o notável relato do próprio Serpa Pinto, com o título Como Eu Atravessei a África.

A expedição de Serpa Pinto tinha como objectivo fazer o reconhecimento do território e efectuar o mapeamento do interior do continente africano, para preparar a entrada de Portugal na discussão pela ocupação dos territórios africanos  – «ocupação efectiva» sobre a ocupação histórica, o que levou o Estado Português a reclamar uma vasta região do continente africano que uniria as províncias de Angola e Moçambique (chamado “mapa cor-de-rosa”). Como é sabido, esta intenção falhou após o ultimato britânico de 1890.

Serpa Pinto regressou a África para participar noutras expedições, na costa oriental do continente. Em 1884, com Augusto Cardoso, explorou o norte de Moçambique, à frente de uma expedição de 700 pessoas.  Em 1889,   comandou uma missão que subiu o rio Chire, em Moçambique, num barco a vapor. Novos confrontos entre o explorador e os ingleses deram origem ao conflito luso-britânico de 1890, que terminou com o humilhante ultimato que o governo de Londres impôs a Lisboa.

Foi nomeado cônsul-geral para o Zanzibar em 1885 e governador-geral de Cabo Verde em 1894. Faleceu com 54 anos de idade, em Lisboa, a 28 de dezembro de 1900.

Em Cinfães existe o Museu Serpa Pinto que alberga algum do seu espólio.

Frente e verso de medalha (fonte aqui)

Serpa Pinto (Blog Viajando no tempo)

Serpa Pinto, um homem do seu tempo

Glórias de Portugal: Serpa Pinto

Fotofolio | The cocklepickers

Podia ser «apanhadores de berbigão». Mas «catadores» dá mais ideia de «catar», procurar, esgaravatar em busca de…

Cocklepickers, Blackrock, Dunkalk Bay, Louth, Ireland

“The Cocklepickers” was installed and unveiled on the promenade in December 2018.  The piece was created by local artist Micheál McKeown and comprises a woven stainless steel group of two cocklepickers from the early 1900s on a sculpted concrete base resembling the surface of Blackrock beach.

“Cocklepickers were once synonymous with Blackrock and were a familiar sight on the beach.  Cocklepicking can be traced back to medieval times as is evident from the middens and mounds of cockle shells still to be found in the area.  During the famine (1845-1852), cockles were the only source of food for many of the indigenous families of the Blackrock area, who owe their survival to them.”

Click here to find out about “the Cockle Lord” and the importance of cocklepicking in the area in an extract from Noel Sharkey’s book “The Parish of Haggardstown and Blackrock – a History”.

 

Of travel (F. Bacon, 1915)

TRAVEL, in the younger sort, is a part of education, in the elder, a part of experience. (…)  The things to be seen and observed are: the courts of princes, especially when they give audience to ambassadors; the courts of justice, while they sit and hear causes; and so of consistories ecclesiastic; the churches and monasteries, with the monuments which are therein extant; the walls and fortifications of cities, and towns, and so the heavens and harbors; antiquities and ruins; libraries; colleges, disputations, and lectures, where any are; shipping and navies; houses and gardens of state and pleasure, near great cities; armories; arsenals; magazines; exchanges; burses; warehouses; exercises of horsemanship, fencing, training of soldiers, and the like; comedies, such whereunto the better sort of persons do resort; treasuries of jewels and robes; cabinets and rarities; and, to conclude, whatsoever is memorable, in the places where they go. After all which, the tutors, or servants, ought to make diligent inquiry. As for triumphs, masks, feasts, weddings, funerals, capital executions, and such shows, men need not to be put in mind of them; yet are they not to be neglected. (…) When a traveller returneth home, let him not leave the countries, where he hath travelled, altogether behind him; but maintain a correspondence by letters, with those of his acquaintance, which are of most worth. And let his travel appear rather in his discourse, than his apparel or gesture; and in his discourse, let him be rather advised in his answers, than forward to tell stories; and let it appear that he doth not change his country manners, for those of foreign parts; but only prick in some flowers, of that he hath learned abroad, into the customs of his own country.

Francis Bacon, Of Travel, 1815

Citação do dia

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Um lugar não é apenas “aquele lugar”: aquele lugar somos um pouco também nós. Seja como for, sem o sabermos, trazíamo-lo dentro de nós e um dia, por acaso, chegamos lá. Chegamos no dia certo ou no dia errado, conforme, mas isso não,é responsabilidade do lugar, depende de nós. Depende de como lermos esse lugar, da nossa disponibilidade para o acolhemos dentro dos nossos olhos e dentro da nossa alma, de estarmos alegres ou melancólicos, eufóricos ou disfóricos, de sermos jovens ou velhos, de nos sentirmos bem ou de nos doer a barriga. Depende de quem somos no momento em que chegamos a esse lugar. Estas coisas aprendem-se com o tempo e, sobretudo, viajando.

(…)

Cada lugar a que chegamos de viagem é uma espécie de radiografia de nós próprios. Muitas vezes, ingenuamente, tiramos fotografias com a ilusão de levarmos alguma coisa connosco. Mas as imagens são apenas a pele, pura aparência: o que esse lugar provoca em nós ao contemplá-lo e vivê-lo não é fotografável. Acontece o mesmo com os sonhos. Impelidos pelo desejo de comunicar a emoção sentida a alguém e quase com espanto damo-nos conta de que a história daquele sonho era banal, era um sonho como outro qualquer: assim, ao contá-lo, não comunica nenhuma emoção, nem em quem nos escuta nem a nós próprios que o contamos. O que é que tinha então de tão especial para ter provocado tanta emoção? Nada. O importante daquele sonho não era o que acontecia, mas a maneira como o estávamos a viver: o sonho era a nossa própria emoção. Com um lugar é a mesma coisa. Contá-lo não significa descrevê-lo, mas conseguir transmitir, mesmo numa ínfima parte, as emoções que suscitou.

António Tabucchi, Viagens e Outras Viagens. P. 178-179.