“Abandono e insucesso escolar- construir uma perspetiva de género”

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Datado de 2015, este estudo apresenta tanto uma quantidade e diversidade de dados como interpretativos interessantes – como a introdução coloca, ” consideramos importante referir que é o “po

nto de vista que cria o objecto” (Saussure, in Canário, Alves & Rolo, 2001) de estudo. No estudo pretendemos apresentar um ponto de vista sobre o insucesso e o abandono escolar numa perspectiva de género, a partir do reconhecimento da complexidade e da invisibilidade inerente à construção social e escolar destes fenómenos. Interessa-nos identificar as contradições, as tensões, os dilemas e os consensos em torno do tema, numa tentativa de compreendermos o modo como se produzem e traduzem as diferenças de género no insucesso e no abandono escolar. A complexidade do fenómeno em estudo justificou o enfoque numa metodologia mista, que articulasse uma dimensão quantitativa – centrada na análise das estatísticas oficiais, com uma dimensão qualitativa – focada nas representações e perspectivas dos actores, directa e indirectamente envolvidos na escola, sobre o insucesso e o abandono escolar numa perspectiva de género.”
Realizaram também um questionário a professores do ensino básico e secundário das escolas públicas, do território nacional, continental. Numa tentativa de complementar estes dados, realizámos quatro estudos de casos em escolas do ensino básico e secundário da área Metropolitana de Lisboa. Os estudos de caso consistiram na realização de entrevistas a elementos da direcção de cada escola, a professores, a alunos, a auxiliares de
acção educativa e a encarregados de educação; na realização de focus group a professores e a auxiliares de acção educativa e de focus group a alunos; e na observação de aulas.
“O presente estudo foi conduzido em torno da compreensão do insucesso e do abandono escolar numa perspetiva de género, em Portugal, e contou com o financiamento do Programa Operacional de Assistência Técnica do Fundo Social Europeu. O investimento neste objeto de estudo resultou do facto de a equipa considerar importante contribuir para a produção de conhecimento numa área em que este é bastante escasso. As estatísticas oficiais nacionais revelam que entre os rapazes se regista uma maior taxa de insucesso e o abandono escolar precoce do que entre as raparigas, nas últimas décadas. Os fundamentos orientadores deste trabalho resultaram, essencialmente, da escassez de estudos e de conhecimento científico, no contexto Português, o que não permite a lucidez necessária para a compreensão deste fenómeno social e educativo; por outro lado, da invisibilidade e do silenciamento do tema. O insucesso e o abandono escolar são problemas educativos que ocorrem no decurso da escolarização e resultam de causas múltiplas. Reconhecemos a complexidade inerente ao insucesso e abandono escolar precoce, pelo que se intenta um esforço de compreensão e de articulação do saber produzido neste domínio. Procuramos aproximarmo-nos de uma leitura da diversidade e complexidade dos fenómenos em estudo, o que torna evidente a importância do recurso a uma perspectiva interdisciplinar.
O insucesso escolar consiste num problema de aproveitamento escolar, que se traduz em reprovações. O abandono escolar caracteriza-se pela
saída precoce da escola, antes da conclusão da escolaridade obrigatória e/ou ter atingido os 18 anos de idade. Habitualmente, estes dois fenómenos mantêm entre si uma relação de interdependência – muitos dos jovens que abandonam precocemente a escola apresentam percursos académicos marcados pelo insucesso escolar. O insucesso e abandono escolar são fenómenos que ocorrem ao longo do percurso escolar, dentro da escola e por referência a este contexto, pelo que se torna essencial analisar a escola a partir de três dimensões – a instituição, a organização e a forma escolar.
Parece-nos, como destaca Phillippe Perrenoud (1989), que o recurso ao “estudo das variáveis contextuais, sistémicas e ecológicas apenas permite compreender, indirectamente, os processos e funcionamentos de ordem política, organizacional e didáctica”, os quais estão na génese do
insucesso e abandono escolar. O insucesso e abandono escolar colocam-nos, inevitavelmente, face ao problema das desigualdades, particularmente, as desigualdades escolares. Nas últimas décadas, apesar de uma incidência progressiva na defesa de princípios de igualdade, as sociedades contemporâneas são marcadas por profundas e múltiplas desigualdades. O insucesso e o abandono escolar estão inextrincavelmente associados a essas profundas e múltiplas desigualdades sociais, porém, parece-nos imperioso reconhecer que “às desigualdades sociais a escola acrescenta as suas próprias desigualdades” (Dubet, 2000, p.37).
Consideramos, à semelhança de Perrenoud (1989), que o sucesso e o insucesso escolar são faces de uma mesma moeda, representações fabricadas pelo sistema escolar, de acordo com os seus próprios critérios e procedimentos de avaliação, a partir de julgamentos e normas de excelência, relacionadas com o conteúdo e a forma escolar, os quais influenciam directamente a natureza e a amplitude das desigualdades. Neste sentido, o insucesso escolar é também o insucesso da escola, porquanto coloca em evidência a contradição entre a intenção de ensinar e a impossibilidade de assegurar a aprendizagem a todos os que a frequentam. As diferenças e desigualdades que caracterizam os alunos à entrada da escola podem ser minimizadas ao longo do percurso escolar ou pelo contrário intensificadas, quando a escola “transforma desigualdades mínimas em hierarquias decisivas” (Perrenoud, 1989, p.3).