[revistas] Cultura. “As bibliotecas sem muros.”

“Pensando-a como “lugar”, reunião de livros e projeto, Christian Jacob afirma que “toda biblioteca dissimula uma conceção implícita de cultura, do saber e da memória, bem como da função que lhes cabe na sociedade de seu tempo” (Jacob 2000, 10), com a res­salva de que a subversão dessas regras, desses limites, bem como a invenção de novas ligações e lugares de saber sejam uma constante na história da cultura e da relação com a memória.

Dito isso, compreende-se que o desenvolvimento do conceito de bibliotecas esteja associado às dinâmicas contextuais e históricas que incluem também a materialidade dos suportes de informação: das placas de argila aos papiros, dos códices em pergaminhos aos incunábulos em papel de trapo, dos impressos em celulose às interfaces analógicas ou digitais. Frente a um conceito que se alargou, e cuja compreensão não pode dispensar a sua historicidade, interessa aqui levantar os diferentes significados do termo “bibliote­cas sem muros” (ou, a depender da tradução, “bibliotecas sem paredes”), bem como seus usos e intencionalidades em distintos territórios e temporalidades. Especialmente a partir de casos iberoamericanos, discutem-se alguns exemplos demonstrativos em que o “como se lê” e o “o que se lê” podem fundar ou alterar os próprios projetos de bibliotecas.

As bibliotecas sem muros

A ideia de “depósito de livros” está na origem da palavra: a versão latinizada Bibliotheca origina-se do grego Biblion, que significa “livro”, e Theke, “depósito” ou “caixa”. Também usada como a “estante” onde estão os papiros, como interpretou Luciano Canfora no uso da palavra em textos da Antiguidade (Canfora 1989, 77). Nessa etimologia está a chave de outras aceções do termo que chega ao século XXI acumulando semânticas distintas: é um conjunto sistematizado de livros com determinados fins de utilidade pública ou particular e propósitos de formação intelectual nas diferentes áreas do conhecimento (Carlo 1971, 227), como também é a designação para um tipo de móvel, um armarium, ou para uma dependência (Faria e Pericão 2008, 147)1 ou edifício destinado a abrigar coleções de livros e documentos, “devidamente ordenadas, para consulta pública ou particular”; é ainda sinônimo de “centro de recursos de informação e ideias” ou de ensino, assim como, em informática, é “um conjunto organizado de ficheiros que são colocados à disposição dos utilizadores” (Faria e Pericão 2008, 147-148).

Para Sayão, tais perspectivas estariam superadas quando se trata de bibliotecas digitais (Sayão 2008-2009, 6-17)2. O autor compartilha da definição de Paul Duguid de bibliotecas digitais como “ambiente distribuído que integra coleções, serviços e pessoas na susten­tação do ciclo de vida completo de criação, disseminação, uso e preservação de dados, informação e conhecimento” (Duguid apud Sayão 2008-2009, 9).

Sem desenvolver essa discussão, para o caso aqui tratado, interessa assinalar que a definição de biblioteca digital inclui de modo recorrente o termo “biblioteca sem paredes” como sinônimo. A ideia é conhecida: a tecnologia digital seria capaz de ultrapassar os limites físicos de acumulação de títulos e acesso a obras, agregando potencialidades que construiriam a “biblioteca do futuro”, pelo menos segundo concepções (reais ou imagi­nadas) vistas desde meados do século XX (Drabenstott e Burman 1994, 4). Nessa filiação, o Dicionário do Livro traz o termo “biblioteca sem paredes” com o único significado de “biblioteca electrónica, biblioteca virtual” (Faria e Pericão 2008, 156), o que não deixa de aludir à materialidade do suporte.

É de notar que a definição de “biblioteca sem paredes” chega ao século XXI com um propósito compartilhado desde as origens do termo, que remonta ao século XVI, em torno do mito da universalidade. Também aqui é a biblioteca como o lugar que comporta o sonho do Ocidente de reunir todo o conhecimento do mundo. Esta aspiração é vista em catálogos, mesmo antes de 1550, que se propunham a reunir todos os livros publi­cados, quer por um território, quer por toda humanidade, como foi o caso da Bibliotheca Universalis (Zurique, 1945), de Conrad Gesner (1516-1565). Chamado de “pai da bibliogra­fia”, Gesner inovou ao substituir a palavra catálogo por uma nova utilização de bibliotheca, “que liberta a palavra da sua definição material e atribui à biblioteca sem paredes, pro­posta pelo livro, o sinal do universal” (Chartier 1997, 109).

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Débora Dias

Palácio da Ajuda: exposição de Joana Vasconcelos

IMG_0416IMG_0357  A exposição de Joana Vasconcelos é muito interessante mas ganhou, sobretudo, pelo espaço em que se inscrevem as obras, IMG_0366pelos milhentos detalhes, dos candelabros e sedas, IMG_0358aos móveis, paredes, chão e portas…IMG_0367IMG_0368

Album de fotos  da Exposição

Topografia da Exposição, no Palácio

Trabalhos de Joana Vasconcelos